Algumas linhas sobre o assunto a partir de minha participação no Congresso de transplante facial em que estive, em Nova Iorque.
Transplantes faciais
Embora os transplantes faciais sejam uma realidade desde 2005 quando a francesa Isabelle Dinoire recebeu o primeiro transplante parcial de face, de lá para cá apenas 38 procedimentos deste tipo foram realizados em todo o mundo. Desses, 6 pacientes já morreram, correpondendo a 16% de mortalidade.
Após o transplante parcial, já foram realizados transplantes totais, incluindo não apenas a pele, mas também os ossos da maxila, mandíbula e até mesmo a língua e os dentes. Esses transplantes mais complexos são tecnicamente chamados de VCA – termo em inglês que significa aloenxertos compostos vascularizados. A alta complexidade da cirurgia exige centros extremamente especializados, com equipe ampla e multidisciplinar, cirurgiões com destreza técnica incrível em microcirurgia, além dos cuidados subsequentes com imunossupressão para tornar o paciente apto a conviver com o tecido transplantado.
Dificuldades
A obtenção de doadores para transplante facial é extremamente difícil, tanto em termos de compatibilidade como de aceitação das famílias doadoras. Essa dificuldade torna muito delicada a questão de lidar com uma rejeição aguda ou crônica refratária à imunossupressão. Quando a face do receptor é totalmente retirada para poder receber o transplante, diz-se que se chegou “a point of no return” ou o ponto sem volta. Qualquer problema que ocorra a partir desse ponto impossibilita o retorno à face (ainda que desfigurada) que o paciente tinha, pois ela foi literalmente descartada. Difícil isso, não?
Outra questão difícil dos transplantes faciais diz respeito ao processo de imunossupressão, não só pelos custos elevadíssimos de manutenção do mesmo, mas principalmente pelos efeitos adversos que trazem para os pacientes transplantados. Eles passam a viver as consequências da imunossupressão que incluem:
- maior risco de desenvolvimento de câncer;
- insuficiência renal;
- e evolução para morte em cerca de 10 anos, como aconteceu com a Isabelle Dinoire.
Com tantas questões éticas difíceis de serem equacionadas, os centros especializados estão mais comedidos na indicação e realização de transplantes faciais.
Os avanços
Por outro lado, é inegável constatar os avanços decorrentes desse tipo de transplante em termos de pesquisa científica, tanto em questões anatômicas, imunológicas, psicológicas, quanto nos avanços tecnológicos referentes a engenharia de tecidos, engenharia genética e computação.
O futuro da reconstrução facial está na criação dos tecidos em laboratório geneticamente compatíveis com o paciente desfigurado, tornando o transplante alogênico obsoleto.
A realidade da reconstrução facial hoje já inclui modernos softwares que transformam os defeitos faciais em protótipos tridimensionais impressos na própria sala de cirurgia, com as placas de titânio utilizadas nas reconstruções ósseas faciais sendo também confeccionadas por impressoras 3D que já as imprimem de forma customizadas conforme o defeito apresentado. As cirurgias tem se tornado tão tecnologicamente avançadas, que embora a habilidade do cirurgião ainda seja exigida, não sei por quanto tempo ela ainda será necessária!
A beleza de se transformar uma face desfigurada em um rosto com emoções, sentimentos e reinserção social é impagável. Poder presenciar isso de perto com alguns dos mais brilhantes cirurgiões reconstrutores faciais do mundo foi não apenas um privilégio, mas também uma incrível oportunidade de expansão de conhecimentos.
1 comentário em “Minhas impressões sobre transplante e reconstrução facial”
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